O HISTORIADOR MORRETENSE - ERIC J. HUNZICKER

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Boemia. Por José Moraes.

1898-11 de dezembro: Notas Falsas. Boemia. Há poucos dias um moço, figura simpática e saliente do meio literário curitibano, pediu-me explicações sobre as palavras –Boemia, Boêmio– e eu prometi dá-las tão completas quanto me fosse possível. Venho hoje desobrigar-me desse compromisso, passando para aqui algumas notas ligeiras, apanhadas em uma brochura estrangeira que se ocupa desse assunto. Na Literatura Francesa fala-se muito em boêmio, e por tal forma que a palavra acabou por tornar-se a representante de uma classe de pessoas no seio as sociedade parisiense. Os literatos daquele país tomaram grande trabalho em discutir tal classe, que era uma modernice, dedicaram-lhe romances, comédias, versos, artigos de jornais, com o fim único de provar que a definição seca e vaga da Academia: -“Ter a vida de boêmio, viver na vagabundagem, sem eira nem beira”, era falsa, porque, nesse caso, o boêmio devia achar-se constantemente sob as vistas incessantes e cautelosas da Polícia. Não foi difícil reduzir a inanidade aquela definição impertinente. A Boemia tem uma linguagem especial, totalmente sua, tomada das palestras dos ateliers, do calão dos bastidores,, das discussões dos gabinetes de redação. Figuram nesse idioma inaudito todos os ecletismos de estilo, idioma onde o gênero apocalíptico acotovela o discurso sem fim nem ligação, onde a rusticidade da gíria popular alia-se a períodos extravagantes, saídos da mesma fôrma de onde Cyrano tirava os seus rasgos cheios de espanholadas, onde o paradoxo –filho querido da moderna literatura- trata a lógica e a razão como Cassandra é tratada nas Pantomimas, onde a ironia tem a violência dos mais enérgicos ácidos, e a destreza desses caçadores que matam um inseto pousado no alvo, algaravia inteligente, embora ininteligível para os que não tem a chave dela, e cuja audácia excede a das mais livres línguas. Esse vocabulário é o inferno da retórica e o paraíso do neologismo. Ouçamos agora o que se diz e o que se disse da boemia e dos boêmios. Diz Balzac: “A Boemia, que se deve chamar a Doutrina do Boulevard des Italiens compõem-se de moços de vinte a trinta anos (não mais) todos homens de gênio –cada um em seu gênero- ainda não conhecidos, mas que se farão conhecer em pouco tempo, e então serão distintíssimos. Na Boemia há diplomatas capazes de transformar os projetos da Rússia, desde que sejam auxiliados pelo poder da França. Todos os gêneros de capacidade e de espírito ai estão representados. Ela possui escritores, administradores, militares, jornalistas... A palavra Boemia diz tudo. Se ela nada tem, vive do que tem. A esperança é a sua religião, a fé em si mesmo o seu código, a caridade o seu budget.”  Murger diz: “Para o leitor inquieto, para o burguês timorato repetimos em forma de axioma: -A Boemia é o estágio da vida artística, a porta aberta da Academia, do Hospital ou do Necrotério- Acrescentamos que ela só existe e só pode existir em Paris.” Diz X. Aubryet: “Como?! Porque há uma meia dúzia de papalvos ou de pretensiosos, que julgam fazer bonita figura blasonando-se do pomposo nome de –boêmios- e cortam os sapatos de propósito para que se tomem como o prolongamento dos heróis de Murger, tornais a literatura inteira responsável por essa garotice?! Não fecheis os olhos tão complacentemente: eu não chamo boêmio ao estudantinho que deve cem francos ao seu alfaiate, chamo boêmio a esse esplêndido e majestático vivedor que não é literato e que sabe despender cem mil francos por ano sem ter um sou de seu, chamo boêmios aos príncipes das finanças que se gabam, com jactância, de reduzirem os seus clientes a miséria extrema...” A. Louchet exclama: “...Chamam a isso ter vida de boêmio! Murger, que dizeis a este respeito? A vida de boêmio, que eles não conhecem, é a vida da afeição e de comunismo, nunca a vida de cinismo e de desespero.” P. Larousse diz em duas linhas no seu Dictionnaire Complet Illustré: “Boêmio, sujeito que goza o presente, sem importar-se com o futuro.” Eis satisfeito o meu compromisso. Abordei um assunto ainda não tratado em nossa terra e ocupei-me dele como pude e como sabia. Venham outros em seguida fazer mais amplo estudo sobre esse tema tão interessante. A iniciativa ai fica. Hyalino. (José Gonçalves de Moraes). 40/25/01.

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